Há “criminosos e criminosos”?
Outro argumento usado pela Esquerda Marxista é o de que “há criminosos e criminosos, e o que nos interessa são sempre os interesses de classe envolvidos, em especial, o que atrapalha ou o que ajuda a elevar o nível de consciência e organização do conjunto da classe trabalhadora na luta pelo socialismo.”
A ideia de que haveria crimes melhores ou piores é exatamente a armadilha na qual toda a esquerda pequeno-burguesa tem caído ao tratar o problema do estupro. Isso porque qualquer crime é meramente um problema moral, e portanto não há um valor universal para o crime, variando de acordo com a sociedade e a época. Podemos achar que determinado crime seja detestável mas isso não significa que essa mesma apreciação seja válida em outros tempos e outras sociedades. Portanto, ao medirmos o crime pela nossa própria moralidade nada mais estaremos fazendo do que entrando de cabeça na posição da direita, que é justamente uma posição moral. Nós podemos considerar o estupro um crime mais grave do que outros, mas isso não pode servir para tratá-lo de maneira diferente. As causas fundamentais de qualquer crime são as mesmas e o tratamento deveria ser o mesmo.
Para a burguesia, assim como para a esquerda pequeno-burguesa, o crime deve ser tratado moralmente e portanto com o rigor da lei. E assim, caímos novamente no problema: o rico sempre dará um jeito de se livrar dessa punição e quem vai sofrer serão os pobres, não importa de qual crime estamos tratando aqui.
A confusão da Esquerda Marxista fica ainda mais clara com a comparação da Justiça burguesa com a Revolução bolchevique de 1917. Diz o artigo:
Vale também recordar que após a Revolução de Outubro de 1917, na URSS, Trotsky organizou o Exército Vermelho de forma disciplinada, inclusive autorizando a punição de estupradores em suas próprias fileiras. O estupro não era visto como algo menor, mas era extremamente condenado, e tido inclusive como prática recorrente do Terror Branco, das forças imperialistas reacionárias.
A comparação é absurda. Em primeiro lugar porque na guerra, o estado de coisas funciona de maneira diferente. As condições são excepcionais e eram essas condições que Trótski e o Exército Vermelho enfrentavam. A disciplina é condição para a vitória do exército e esse regime de exceção tem um sentido prático muito claro.
Em segundo lugar, é preciso ter claro que o regime de Lênin e Trótski não é a mesma coisa do Brasil de Bolsonaro e Sérgio Moro. O regime brasileiro é contrarrevolucionário, o regime soviético era revolucionário. Dar poder ao primeiro é pura e simplesmente fortalecer a política de duros ataques contra o povo, não importando quais são as justificativas morais envolvidas nisso.
A posição da Esquerda Marxista é centrista. Fica no meio do caminho ao procurar se diferenciar da posição de tipo inquisitorial dos identitários mas sem romper totalmente com a concepção moral sobre o crime, o que afasta o grupo da posição marxista sobre o problema: a defesa intransigente dos direitos democráticos e de um sistema penal que seja mais humano, que não seja um verdadeiro moedor de carne da população pobre.