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Brasileiro, B maiúsculo

61 anos da morte de Heitor Villa-Lobos, símbolo da brasilidade

Villa-Lobos foi o maior compositor brasileiro. Sua obra, extremamente original, era resultado de seu contato com a música popular, folclore brasileiro e a vanguarda

O carioca Heitor Villa-Lobos, nascido no bairro das Laranjeiras em 5 de março de 1887, foi o maior compositor das Américas, um fato reconhecido quando ele ainda estava vivo. Sua obra é imensa, composta por pelo 1000 peças catalogadas, além de inúmeras outras que se perderam e se caracteriza pelo seu caráter eminentemente brasileiro, com raízes fortemente fincadas no folclore nacional e na música popular brasileira.

Foi o grande representante da música na Semana de Arte Moderna de 1922, do movimento modernista que consagrou nomes como Mário de Andrade, Oswald de Andrade, Victor Brecheret, Anita Malfatti, Menotti Del Picchia, Di Cavalcanti e Sérgio Milliet.

O universo do violão clássico também deve muito a Villa-Lobos, que deixou uma importantíssima e vasta obra para o instrumento, sendo um dos responsáveis pelo ressurgimento do violão como instrumento de concerto. O prestígio de Villa-Lobos sempre foi muito maior no exterior do que em seu próprio país, muito por causa de seus anos como colaborador do governo Getúlio Vargas. Por conta disso a maior parte de sua obra é raramente executada e muito pouco conhecida.

Mas a influência do compositor é enorme no Brasil, tendo como alguns de seus admiradores alguns dos maiores nomes da música popular brasileira como Antônio Carlos Jobim, Egberto Gismonti e Edu Lobo, além de ter inspirado muitos outros compositores brasileiros como Francisco Mignone, Camargo Guarnieri e Osvaldo Lacerda.

Heitor Villa-Lobos foi uma figura carismática e hiperbólica. Sua obra é um reflexo de sua personalidade exuberante. Costumava compor em casa direto na partitura, sem auxílio de um instrumento, enquanto assistia à televisão, ao lado de pessoas conversando ou mesmo cantando em um quarto ao lado, completamente imerso em seu trabalho.

Contato com o folclore

Heitor era filho de Noêmia Monteiro Villa-Lobos e de Raul Villa-Lobos. Raul tinha descendência de espanhóis, era um músico amador, violoncelista, astrônomo amador, escrevia livros didáticos e trabalhava na Biblioteca Nacional. Foi Raul quem deu as primeiras aulas de música a Heitor.

A família mudou-se várias vezes, se instalando em cidades do interior do Rio de Janeiro (Sapucaia) e de Minas Gerais (Cataguases e Bicas) durante os anos de 1892 e 1893. Nessas viagens o jovem Heitor toma contato com as modas caipiras e os tocadores de viola. São os primeiros contatos do futuro compositor com as inúmeras manifestações da música folclórica que serão a base de sua música.

Quando retornam ao Rio de Janeiro a família transforma sua casa em um ponto de encontro de músicos que tocam todos os sábados até altas horas da madrugada. Aos seis anos de idade Heitor começa a estudar o violoncelo, tocando em uma viola adaptada por seu pai. Outro instrumento que Heitor começa a estudar é o clarinete. Ao mesmo tempo Raul submete o jovem Heitor a inúmeros exercícios de percepção musical e de apreciação musical, reconhecimento de estilos e gêneros de músicas. Enquanto isso a mãe Noêmia, que era filha de um compositor de música de baile, nutria planos de que o menino estudasse medicina.

Por esta época a sua tia Fifina apresenta ao jovem Heitor os prelúdios e fugas de Johann Sebastian Bach, que no futuro lhe serviriam de inspiração para a sua série de composições intituladas “Bachianas Brasileiras”.

As rodas de choro

Raul veio a falecer subitamente em 1899, deixando a família em dificuldades financeiras. Daí em diante Heitor começa a tocar o violoncelo em teatros, cafés e bailes para se sustentar e em 1903 conclui seus estudos básicos no Mosteiro de São Bento. É por esta época que Villa-Lobos começa a se juntar aos grupos de choro e a tocar o violão, um instrumento então muito mal visto pela sociedade, associado à marginalidade. Por causa disso Heitor pratica o instrumento escondido da família. Nas rodas de choro conheceu e tocou com nomes famosos como Ernesto Nazareth, Anacleto de Medeiros, João Pernambuco e Catulo da Paixão Cearense.

Este envolvimento com os chorões viria a lhe inspirar a composição de uma série de 14 obras baseadas no estilo, os Choros, escritos entre 1920 e 1929 para diversas formações diferentes de músicos e que se caracteriza, entre outras coisas, pela sua diversidade de timbres e ritmos e pela combinação inédita dos instrumentos. Dentre os Choros, o mais notável é o Choros nº 10, uma peça para orquestra e coro escrita em 1926, uma das mais exuberantes composições de Villa-Lobos. Esta peça tem o subtítulo de “Rasga o Coração”, letra escrita pelo amigo e companheiro das rodas de choro, Catulo da Paixão Cearense. A composição faz uso de uma variada coleção de instrumentos de percussão brasileira, algo inédito para as plateias fora do Brasil. Sua primeira apresentação em Paris causou um verdadeiro furor. Um crítico da época escreveu: “é uma forma de arte a qual agora devemos dar um novo nome”.

Depois da morte do pai Villa-Lobos decide viajar pelo Brasil para conhecer outras regiões, outros povos e sua música. Para esse fim vende a valiosa biblioteca que era de seu pai. Parte em 1905, com dezoito anos de idade, e ao longo de quase dez anos de viagens conhece o norte, o sul e o nordeste, incluindo a Amazônia, se encontra com tribos indígenas, passa temporadas em engenhos e fazendas do interior. Recolheu nesse período mais de 1000 temas musicais. Em 1913 casa-se, pela primeira vez, com a pianista Lucília Guimarães e é então que ele decide se concentrar no seu trabalho de composição.

Estreia como compositor

O ano de 1915 marca o início da apresentação oficial de Villa-Lobos como compositor, com uma série de concertos no Rio de Janeiro. As primeiras composições de Villa-Lobos ainda traziam a herança da música europeia da virada do século 19 para o século 20, com influências de Cesar Franck, Richard Wagner e Puccini e posteriormente do impressionismo, de autores como Claude Debussy e Maurice Ravel. Mas a partir de 1914, com suas “Danças Africanas”, começa a mostrar um novo estilo com o desenvolvimento de uma linguagem própria, avesso às convenções da música europeia, que se firmaria nos inovadores balés “Amazonas” e “Uirapuru” de 1917.

Até se casar com Lucília, Villa-Lobos não sabia tocar o piano. Com ela aprendeu os rudimentos do instrumento e logo começaria a compor várias peças pianísticas como as “Danças Características Africanas” e a monumental “Prole do Bebê”. Com os anos acabaria se tornou um exímio pianista. Sua obra para piano solo é enorme, com destaque para a excepcional coleção de “Cirandas”, compostas em 1926 e o “Ciclo Brasileiro” (1936-7).

O modernismo

A Semana de Arte Moderna de 1922 foi outro capítulo importante na carreira de Villa-Lobos. Ele participou a convite do escritor Graça Aranha, apresentando dezessete de suas composições em três dias de espetáculos. O maestro causou polêmica ao entrar vestido de casaca, mas calçando um sapato em um pé e um chinelo no outro. O público encarou tal visão como uma provocação e lhe deu uma grande vaia. Mas era apenas que o maestro estava com uma infecção no pé e não conseguiu colocar o sapato.

A música de Villa-Lobos era a expressão do modernismo no Brasil, reflexo do movimento das vanguardas europeias como cubismo, futurismo, dadaísmo e surrealismo, que buscava o rompimento com a estética conservadora anterior e um novo alinhamento com o moderno e original e com o nacionalismo. Apesar dos elementos nacionais estarem presentes na música de Villa ainda haviam resquícios da música europeia, o que o compositor comprovaria em pouco tempo.

No ano seguinte os amigos próximos de Villa-Lobos o incentivam a ir à Europa e apresentam uma proposta na Câmara dos Deputados um projeto para financiar sua ida a Paris. A proposta é aprovada e lá Villa-Lobos descobre que uma de suas inspirações, Debussy, já não é mais vanguarda. Naquele momento quem faz a música mais avançada é o russo Igor Stravinsky, especialmente sua obra “A Sagração da Primavera”, que causa uma grande impressão em Villa-Lobos. Trava conhecimento ainda da obra do húngaro Béla Bartók, outro compositor que se utiliza das fontes folclóricas de seu país.

Villa-Lobos chegou à França em julho de 1923, disposto a divulgar a sua obra, então já bastante extensa. Sua entrada nos círculos artísticos se deu através dos pintores e escritores modernistas brasileiros que ele conheceu na Semana de Arte Moderna. Foi convidado para um almoço no estúdio da pintora Tarsila do Amaral onde estavam Oswald de Andrade e o poeta Sérgio Milliet e entre os franceses o poeta Blaise Cendrars, o músico Erik Satie e o poeta e pintor Jean Cocteau. Após o almoço Villa-Lobos se sentou ao piano para improvisar. Jean Cocteau, ao fim da improvisação, atacou duramente o que ouvira. Para ele a música de Villa era apenas uma cópia de Debussy e Ravel. Por pouco não houve uma briga entre os dois.

Este episódio foi uma quebra das expectativas de Villa, que esperava ter um grande sucesso na Europa. A viagem serviu para reforçar sua ideia de que sua música necessitava se basear na música de seu próprio país e não dos ideais estéticos próprios da cultura europeia. A partir de sua volta ao Brasil em 1924 a obra de Villa-Lobos se torna o reflexo de suas raízes brasileiras.

Viaja novamente a Paris em 1927, desta vez com a ajuda do mecenas carioca Carlos Guinle. Fica por três anos, realizando uma extensa turnê por 66 cidades ao lado de Lucília Villa-Lobos, além de aproveitar para publicar suas obras pela editora Max-Eschig. Desta vez seus concertos fazem muito sucesso. Faz muitos amigos, entre eles os músicos Leopold Stokowski, Edgar Varése, Aaron Copland e Arthur Honneger, que frequentam sua casa e participam das feijoadas dos domingos.

Nesta época conheceu o violonista espanhol Andrés Segóvia, que lhe encomendou um estudo para violão. O compositor lhe respondeu escrevendo uma coleção de doze estudos, cada um deles baseado em um detalhe técnico ou fragmento que os chorões costumavam tocar. Os doze Estudos Para Violão transcenderam sua mera função de estudo didático para se tornarem verdadeiras obras de arte. Villa-Lobos voltaria a escrever para o violão em 1940 quando compôs os seus “Cinco Prelúdios”, outras peças fundamentais para o repertório do violão. Infelizmente a partitura do que seria o Prelúdio nº 6 está perdida.

No governo Getúlio Vargas

Ao retornar ao Brasil em 1930 encontra o país em uma nova realidade após a Revolução de 1930. Planejava ficar pouco tempo e voltar para a Europa. Mas uma das consequências da revolução é que o dinheiro não poderia ser retirado do país, o que fez com que Villa-Lobos não tivesse condições de pagar qualquer tipo de aluguel no exterior. Desse modo, forçado a ficar no Brasil, Villa-Lobos organizou concertos e compôs músicas educativas e de caráter patriótico. Um de seus projetos mais importantes foi a Cruzada do Canto Orfeônico. Constatando a pobreza da educação musical no país, Villa-Lobos propôs “um plano de orientação e desenvolvimento da educação musical nas escolas, conjugando disciplina, civismo e educação artística.”

Este projeto orfeônico perdurou por três décadas, servindo aos propósitos propagandísticos do governo Getúlio Vargas, pois divulgava valores nacionalistas e também fazia o culto à figura do presidente da república.

Um exemplo disso está em um dos cantos escritos por Villa-Lobos que diz: “Viva o Brasil Viô! / Salve Getúlio Vargas! / O Brasil deposita sua fé, sua esperança e sua certeza no futuro no chefe da Nação! / Viva o Brasil Viô! / Salve Getúlio Vargas!…Viô!

Foram organizadas várias apresentações com coros de crianças, algumas delas chegando a 40 mil vozes que se apresentavam em campos de futebol. Villa-Lobos compôs em abundância nesta época, muitas peças de caráter patriótico, mas também várias de suas maiores criações como as suas nove “Bachianas Brasileiras”. Cada uma dessas peças tinham uma formação instrumental diferente, mas sua base é a interação entre a música brasileira e a obra de Johann Sebastian Bach, um passo a mais na construção de uma música erudita nacional, inspirada nos ideais do modernismo.

A mais famosa delas é a “Bachiana Brasileira nº 5”, para soprano e oito violoncelos, provavelmente a composição clássica brasileira mais conhecida no mundo. Essa música ficou ainda famosa quando usada na trilha sonora do filme de Glauber Rocha de 1964, “Deus e o Diabo na Terra do Sol”, um marco do cinema novo.

Em 1936, aos 45 anos de idade Villa-Lobos deixou sua esposa para se juntar à sua então secretária e ex-aluna, Arminda Neves d’Almeida, que ele carinhosamente chama de Mindinha. Ela será sua companheira até o fim de sua vida e se tornará a diretora do Museu Villa-Lobos de 1960 até sua morte em 1985.

Com a queda do regime de Getúlio Vargas em 1945, Villa-Lobos ficou livre para viajar para o exterior novamente. Ele fez visitas à França, aos Estados Unidos e ao Reino Unido. Recebeu, em todas essas viagens, dezenas de encomendas de novas composições, que ele atendeu, mesmo com sua saúde em declínio. Escreveu concertos para piano, violoncelo, harpa, harmônica e violão. O concerto para violão e orquestra foi escrita em 1951 para Andrés Segóvia, que só estreou a peça em 1956 após Villa-Lobos escrever uma cadenza adicional (uma seção para violão solo).

Escreveu ainda a ópera em três atos “Yerma”, baseado na peça teatral escrita pelo espanhol Federico Garcia Lorca. Foi composta entre 1955 e 1956 e só estreou no palco em 1971 em um teatro em Santa Fé, Estados Unidos. Em 1958 compôs a trilha sonora para o filme “Green Mansions” (no Brasil, “A Flor Que Não Morreu”), dirigido por Mel Ferrer. A música de Villa acabou sendo usada apenas parcialmente no filme e com modificações feitas por outro compositor. Insatisfeito com esse tratamento o maestro resolveu compilar as faixas e reaproveitar o material para uma nova obra, uma suíte sinfônica que ele intitulou “A Floresta do Amazonas”, uma de suas últimas obras. Villa gravou a peça em 1959 para um LP com a presença da cantora soprano Bidu Sayão.

Heitor Villa-Lobos faleceu em 17 de novembro de 1959 no Rio de Janeiro aos 72 anos em decorrência de um câncer.

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