O presidente ilegítimo Jair Bolsonaro nesta segunda-feira (25) determinou que se fizessem as “devidas comemorações” do aniversário do golpe de Estado de 1964 que levou o povo brasileiro a suportar 21 anos de violações sistemáticas das liberdades civis pelo Estado golpista militar. Foi uma das ditaduras mais sanguinárias da história brasileira, marcada desde censuras à liberdade de expressão até por torturas e assassinatos. Nela, os direitos dos trabalhadores foram atacados, por exemplo, a greve foi proibida, houve perseguição política dos trabalhadores, sendo demitidos arbitrariamente com o aval do Estado; arrocho salarial, intervenção nos sindicatos.
Um aspecto marcante da época foi a produção artística de conteúdo combativo contra o criminoso regime ditatorial. Peças teatrais, notícias de jornais, charges, músicas, toda forma que manifestasse a expressão passava pelo crivo dos órgãos de censura, o Sistema Nacional de Informações (SNI) e o Departamento de Ordem Política e Social (DOPS).
Abaixo, selecionamos 15 músicas censuradas pela ditadura militar de 1964:
1) Apesar de Você (Chico Buarque)
Com a letra Amanhã vai ser outro dia/Hoje você é quem manda/Falou, tá falado/Não tem discussão, não/A minha gente hoje anda/Falando de lado e olhando pro chão[…], Chico Buarque perante os órgãos da censura procurou justificá-la com o argumento de que música tratava-se de uma briga de casal. Por conta disso, por um certo tempo a música passou, até ser censurada.
2) Para Não Dizer que Não Falei das Flores (Geraldo Vandré)
Música de 1968 composta e interpretada pelo paraibano Geraldo Vandré. No mesmo ano, foi apresentada no concurso do Festival Internacional de Canção, ficando em segundo lugar, atrás de “Sabiá”, de Tom Jobim e Chico Buarque. Naquela ocasião, os espectadores do ginásio Maracanazinho vaiaram a decisão do júri que premiou a canção “Sabiá”.
Foi censurada e motivou o exílio de Vandré para o Chile. A canção tornou-se o hino dos movimentos populares contra a repressão desde a época da ditadura militar.
3) Comportamento Geral (Gonzaguinha)
Apelidado de “cantor-rancor” a época da ditadura militar, Gonzaguinha, filho de Luiz Gonzaga foi grande produtor da oposição em suas canções. Foram ao todo 54 músicas vetadas pela ditadura militar.
Comportamento Geral com seus versos traz a indignação com a alienação e imobilismo político:
Você deve estampar sempre um ar de alegria
e dizer: tudo tem melhorado
Você deve rezar pelo bem do patrão
e esquecer que está desempregado
[…]
Você deve aprender a baixar a cabeça
E dizer sempre: “Muito obrigado”
São palavras que ainda te deixam dizer
Por ser homem bem disciplinado
Deve pois só fazer pelo bem da Nação
Tudo aquilo que for ordenado
Pra ganhar um Fuscão no juízo final
E diploma de bem comportado […]
4) Jorge Maravilha (Julinho de Adelaide – pseudônimo de Chico Buarque)
Depois de Apesar de Você, a censura tornou-se rígida com as produções de Chico Buarque. Para isso, inventou o Julinho de Adelaide para publicar a canção Jorge Maravilha. Nos seus versos, Você não gosta de mim/mas sua filha gosta, Chico faz uma provocação ao ditador Ernesto Geisel, uma vez que a filha do militar apreciava o trabalho de Chico, apesar das censuras sobre sua obra.
5) Tiro ao Álvaro (Adoniran Barbosa)
Na música do sambista Adoniran Barbosa, o comitê de censura demonstrou completa atitude desocupada e de ausência de critérios ao censurar o Tiro ao Álvaro por conta de erros gramaticais na letra, como “tauba”, “artomórve” e “revorve”, recurso de coloquialidade utilizado pelo autor.
6) Cruel, cruel esquizofrênico blues e Ela quer morar comigo na lua (Blitz)
Duas músicas do álbum As Aventuras de Blitz da banda pop rock Blitz foram censuradas por conterem palavrão e “mau-gosto” por uma de suas músicas apresentarem a palavra “bundado”. Foram vendidas mais de 300 mil cópias desse álbum, porém, a segunda prensagem do disco que foi vetada pela censura foi riscada manualmente, cerca de 30 mil discos.
7) Os Dozes Pares de França (Toquinho e Belchior)
Por conta dos versos Os doze pares da França / Vêm de Belém do Pará a censura considerou que não era nacionalista porque fazia referência à França e aos guardas reais do rei dos francos Carlos Magno.
8) Cálice (Gilberto Gil e Chico Buarque)
Pai, afasta de mim esse cálice
De vinho tinto de sangue
Como beber dessa bebida amarga
[…]
Essa palavra presa na garganta
Apesar das tentativas de conduzir a música para referências bíblicas e escapar da censura, essa música já estava na mira do militares e, no dia do lançamento da música, apresentada no Festival Phono 73 (1973), ordenaram ao Gilberto Gil e Chico Buarque a não cantá-la. Eles, ao invés, conduziram a melodia enfatizando apenas a palavra “cálice”, o que levou ao corte do som de seus microfones.
9) Que as Crianças Cantem Livres (Taiguara)
Taiguara teve 68 músicas de sua autoria censuradas. Pelo próprio título, em defesa da liberdade das crianças, já era uma ofensa ao regime ditatorial, vetando-a.
[…]
E que as crianças cantem livres sobre os muros
E ensinem sonho ao que não pode amar sem dor
E que o passado abra os presentes pro futuro
Que não dormiu e preparou o amanhecer…
10) Eu quero é botar meu bloco na rua (Sérgio Sampaio)
Mais um hino contra a repressão militar adotado pelo movimento desbunde, Eu quero é botar meu bloco na rua foi apresentada no IV Festival Internacional da Canção (FIC) em 1972 e, em 1973 teve adesão popular no carnaval.
O motivo da censura era que a música incitava o povo contra os militares. Se na época da ditadura militar os militares levavam suas tropas nas ruas, o autor ao querer levar seu bloco (povo) nas ruas, incitava a população a conflitar contra os militares.
11) Calabouço (Sérgio Ricardo)
A composição de Sérgio Ricardo diz respeito ao assassinato do estudante secundarista Edson Luís pelos militares da ditadura em 1968 no restaurante Calabouço, na cidade do Rio de Janeiro.
Cala a boca moço, cala a boca moço
Eis o lixo do meu canto
Que é permitido escutar
Cala a boca moço. Fala!
[…]
Cala o peito, cala o beiço
Calabouço, calabouço
Olha o vazio nas almas
Olha um brasileiro de alma vazia.
A música foi cantada por Sérgio na missa na Catedral da Sé do estudante da USP, Alexandre Vannucchi Leme, torturado e morto pelas forças repressoras da ditadura em 1973.
12) Herói do Medo (Carlos Lyra)
[…]
E me proclamo meu soberano
Na solidão despótica de um Deus
Herói do medo escrevo as tábuas
Da autoridade que repousa em mim
[…]
Pra que se avilte e há de morrer pra que eu
Me ressuscite em liberdade
Conhecido por participar da fundação da bossa-nova, Carlos Lyra foi impelido pela ditadura a alterar a letra de suas canções. Ao invés, não alterou, também não ficou no Brasil e foi exilado do Brasil.
13) Acender as Velas (Zé Keti)
Por denunciar as más condições de vida nas favelas na década de 1960, foi censurado pela ditadura militar.
Acender as velas
Já é profissão
Quando não tem samba
Tem desilusão
[…]
O doutor chegou tarde demais
Porque no morro
Não tem automóvel pra subir
Não tem telefone pra chamar
E não tem beleza pra se ver
E a gente morre sem querer morrer
14) Vaca Profana (Caetano Veloso)
A música foi censurada em 1984, quando Gal Costa lançou a canção no álbum “Profana”. O motivo da censura foi a violação da “moral” e dos “bons costumes”, critérios que são relativos e subjetivos e não são nada objetivos.
[…]
Ê, ê, ê, ê, ê,
Deusa de assombrosas tetas
Gotas de leite bom na minha cara
Chuva do mesmo bom sobre os caretas
15) O Bêbado e o Equilibrista (Adir Blanc e João Bosco)
A música foi lançada com a interpretação de Elis Regina no álbum Essa Mulher, em 1979. Nela, a canção pede pela volta do irmão do cartunista Henfil, o Betinho, sociólogo que se opôs à ditadura e foi exilado para o Chile; e fazem alusão, por meio da dor das viúvas, aos assassinatos de seus maridos, por exemplo, do metalúrgico Manuel Fiel Filho e do jornalista Vladmir Herzog que deixaram suas famílias à força por conta da repressão militar.
[…]
Fazia irreverências mil pra noite do Brasil, meu Brasil
Que sonha com a volta do irmão do Henfil
[…]
Chora a nossa pátria, mãe gentil
Choram Marias e Clarices no solo do Brasil
Essa lista é uma pequena amostra dos ataques à liberdade de expressão da ditadura militar de 1964 e que o governo ilegítimo do Presidente da República Jair Bolsonaro incentiva a comemorar nos quartéis militares. É necessário combater esse governo em crise política e que se apoia sobre o setor favorável à ditadura militar. Contra esse governo ilegítimo e amante de golpes militares, a juventude e os trabalhadores precisam se organizar nos comitês de luta contra o golpe, mobilizar e exigir nas ruas o “Fora Bolsonaro!”.