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As origens da IV Internacional

Estalinismo e Bolchevismo

Sobre as Raízes Históricas e Teóricas da IV Internacional

Enquanto o estalinismo não tem uma base teórica que pudesse justificá-lo como uma “corrente socialista”, não havendo nem mesmo um conteúdo programático comum dentre os diversos grupos que se reivindicam como estalinistas, a IV Internacional sempre esteve ancorada na tradição história e cultural bolchevique.

Neste texto, Trótski expõe as reflexões históricas, à luz de profundo conhecimento teórico do marxismo, que deram origem ao programa da IV Internacional, que fundamenta todo programa revolucionário levado avante por este partido revolucionário internacional.

Sobre o estalinismo, veja o programa desta semana “Marxismo”, de Rui Costa Pimenta, através do seguinte link: https://youtu.be/Oqa8E-5gDKE

 

As épocas reacionárias como a que estamos vivendo não somente desintegram e debilitam a classe operária e sua vanguarda, mas também rebaixam o nível ideológico geral do movimento e retroage o pensamento político a etapas já amplamente superadas. Nestas circunstâncias, a tarefa mais importante da vanguarda é não se deixar arrastar pelo fluxo regressivo, e sim nadar contra a corrente. Se a relação de forças desfavorável impede manter as posições conquistas, ao menos se deve aferrar a suas posições ideológicas, porque estas expressam as custosas experiências do passado. Os imbecis qualificarão esta política de “sectária”. Na realidade, é a única maneira de preparar um novo e enorme avanço quando se produzir o próximo ascenso da maré histórica.

A Reação Contra o Bolchevismo e o Marxismo

As grandes derrotas políticas provocam inevitavelmente uma reconsideração dos valores, que geralmente procede de duas direções. Por um lado, a verdadeira vanguarda, enriquecida pela experiência da derrota, defende a herança do pensamento revolucionário com unhas e dentes e, sobre esta base, trata de educar aos novos quadros para as próximas lutas de massas. Distintamente, os rotineiros, os centristas e os diletantes fazem todo o possível para destruir a autoridade da tradição revolucionária e se voltam à busca do “novo verbo”.

Poderíamos assinalar uma enorme quantidade de exemplos de reação ideológica, a maioria dos quais assume a forma da prostração. Toda a literatura das internacionais Segunda e Terceira e de seus satélites do Burô de Londres consiste essencialmente em tais exemplos. Nem sombra de análise marxista. Nenhuma tentativa séria de explicar as causas da derrota. Nem uma palavra nova acerca do futuro. Nada mais que lugares-comuns, conformismo, mentira e, acima de tudo, preocupação pela sobrevivência da burocracia. Basta cheirar dez linhas de Hilferding ou de Otto Bauer para sentir o odor de podridão(1). Quanto aos teóricos da Comintern, nem sequer vale a pena mencioná-los. O célebre Dimitrov é tão ignorante e trivial como um vendeiro com uma caneca de cerveja. Os intelectos desta gente são demasiado preguiçosos para renunciar ao marxismo: o prostituem. Porém, estes não são os que nos interessam aqui. Vamos aos “inovadores”.

O ex-comunista austríaco Willi Shclamm publicou um folheto sobre os processos de Moscou sob o título sugestivo de “A ditadura da mentira”(2). Schlamm é um jornalista de talento que se ocupa principalmente dos acontecimentos políticos do momento. Sua crítica das fraudes judiciais de Moscou, assim como sua denúncia do mecanismo psicológico das “confissões voluntárias” é excelente. Entretanto, não se limita a isso: pretende criar uma nova teoria do socialismo que nos imunize contra novas derrotas e fraudes, no futuro. Porém, visto que Schlamm não é um teórico e, aparentemente, não conhece bem a história do socialismo, retorna completamente ao socialismo pré-marxista, principalmente à sua variante alemã, a mais atrasada, sentimental e simplista de todas. Schlamm renuncia à dialética e à luta de classes, para não falar da ditadura do proletariado. Para ele, a questão da transformação da sociedade se reduz à realização de certas verdades morais “eternas”, com as quais quisera imbuir a humanidade, inclusive sob o capitalismo.

A tentativa de Willi Schlamm de salvar o socialismo mediante o transplante de uma glândula moral foi recebido com alvoroço e orgulho na revista Novaia Rossiia (velha revista provinciana russa que agora é publicada em Paris) de Kerenski: como era de esperar, a chefia da redação proclama que Schlamm chegou aos princípios do autêntico socialismo russo, o qual muito tempo atrás contrapôs os sagrados preceitos de fé, esperança e caridade à austeridade e rigor da luta de classes. A “nova” doutrina dos social-revolucionários russos é, em suas premissas “teóricas”, um simples retorno ao socialismo alemão anterior a março… de 1848!(3) Entretanto, seria injusto exigir de Kerenski um conhecimento mais profundo que o de Schlamm da história das ideias. É muito mais importante assinalar que este Kerenski, que se solidariza com Schlamm, quando dirigiu o governo acusou os bolcheviques de agentes do estado-maior alemão e os perseguiu. Vale dizer que organizou as mesmas fraudes judiciais contra as quais Schlamm mobiliza seus gastos absolutos metafísicos.

Não é difícil desentranhar o mecanismo psicológico da reação ideológica representada por Schlamm e outros de sua espécie. É gente que participou durante um tempo num movimento político que jurava fidelidade à luta de classes e apelava, se não nos fatos ao menos nas palavras, ao materialismo histórico. Tanto na Áustria quanto na Alemanha o assunto culminou numa catástrofe. Schlamm tira uma conclusão global: eis aqui o resultado da dialética e da luta de classes! E, dado que a eleição de revelações está restrita pela experiência histórica e… pelo conhecimento pessoal, nosso reformador e perseguidor do Verbo se encontra com uma trouxa de roupa velha e a opõe valentemente ao bolchevismo e ao marxismo em seu conjunto.

À primeira vista, dir-se-ia que a reação ideológica tipo Schlamm é muitíssimo grosseira (de Marx a… Kerenski!) para deter-se nela. Na realidade, é muito instrutiva: pelo seu primitivismo, representa o denominador comum da reação em todas suas formas, principalmente daquelas expressadas na condenação total ao bolchevismo.

“De Volta ao Marxismo”?

O marxismo encontrou sua expressão histórica mais elevada no bolchevismo. Sob a bandeira bolchevique se realizou a primeira vitória do proletariado e se instaurou o primeiro estado operário. Contudo, visto que na etapa atual a Revolução de Outubro conduziu ao triunfo da burocracia, com seu sistema de repressão, pilhagem e fraude – a ditadura da mentira, na feliz expressão de Schlamm -, muitas mentes formais e simplistas chegam à mesma conclusão sumária: não se pode lutar contra o stalinismo sem renunciar ao bolchevismo. Como vimos, Schlamm vai, todavia, mais longe: o bolchevismo, que degenerou em stalinismo, surgiu do marxismo, por conseguinte, não se pode combater o stalinismo com as bases assentadas pelo marxismo. Outros indivíduos, menos consequentes porém mais numerosos, dizem o contrário: “devemos retornar do bolchevismo ao marxismo”. Como? A qual marxismo? Antes de cair na “bancarrota”, sob a forma de bolchevismo, o marxismo já havia degenerado em social-democracia. Significa, então, que “o retorno ao marxismo” é um salto por cima das Segunda e Terceira internacionais… à Primeira Internacional? Porém, esta também se desmoronou em seu tempo. Portanto, em última instância, trata-se de voltar… às obras completas de Marx e Engels. Qualquer um pode realizar este salto mortal sem abandonar seu escritório, sem sequer tirar os chinelos. Porém, como faremos para passar dos nossos clássicos (Marx morreu em 1883, Engels em 1895) às tarefas do nosso tempo, saltando várias décadas de lutas teóricas e políticas, incluído o bolchevismo e a Revolução de Outubro? Nenhum dos que propõe renunciar ao bolchevismo como tendência histórica “em bancarrota” mostrou outro caminho. Consequentemente, o problema se reduz a estudar O Capital. De nossa parte nenhuma objeção. Todavia, também os bolcheviques estudaram O Capital, e não com os olhos fechados. O que não impediu a degeneração do estado soviético e a realização dos processos de Moscou. Então, o que fazer?

O Bolchevismo é o Responsável pelo Estalinismo?

É certo que o stalinismo é um produto legítimo do bolchevismo, como sustentam todos os reacionários, como jura o próprio Stalin, como creem os mencheviques, anarquistas e certos doutrinários de esquerda que se consideram marxistas? “Sempre previmos – afirmam – … ao proibir os demais partidos socialistas, reprimir os anarquistas e impor a ditadura bolchevique nos soviets, a Revolução de Outubro somente podia culminar na ditadura da burocracia. Stalin é a continuação e, por sua vez, a bancarrota do leninismo”.

A falha neste raciocínio está na tácita identificação do bolchevismo, a Revolução de Outubro e a União Soviética. Substitui-se o processo histórico do choque de forças hostis pela evolução do bolchevismo no vazio. Entretanto, o bolchevismo é apenas uma tendência política, estreitamente fundida com a classe operária, mas não idêntica à mesma. E na União Soviética, ademais da classe operária, existem cem milhões de camponeses, várias nacionalidades e uma herança de opressão, miséria e ignorância. O estado construído pelos bolcheviques reflete não somente o pensamento e a vontade do bolchevismo, mas também o nível cultural do país, a composição social da população, a pressão de um passado bárbaro e um imperialismo mundial não menos bárbaro. Apresentar o processo de degeneração do estado soviético como a evolução do bolchevismo puro é ignorar a realidade social em nome de apenas um elemento, isolado, mediante um ato de lógica pura. Basta chamar este erro elementar por seu verdadeiro nome para destruí-lo sem deixar vestígios.

Seja como for, o bolchevismo jamais se identificou com a Revolução de Outubro, nem com o estado surgido desta. O bolchevismo sempre se considerou um fator da histórica, o fator “consciente”, importante mas de nenhuma maneira o decisivo. Jamais caímos no pecado do subjetivismo histórico. Para nós, o fator decisivo – sobre a base das forças produtivas existentes – era a luta de classes, não a escala nacional mas internacional.

Ao fazer concessões à propriedade privada camponesa, estabelecer regras estritas para o ingresso e participação no partido, limpar o partido dos elementos estranhos, proibir outros partidos, introduzir a NEP, entregar a concessão de empresas a setores privados, firmar acordos diplomáticos com os governos imperialistas, os bolcheviques tiravam conclusões parciais de um fato que, no terreno teórico, lhes resultava claro desde o começo: que a conquista do poder, por importante que seja, de nenhuma maneira transforma o partido em soberano do processo histórico. O partido que se apodera do estado pode, por certo, exercer sua influência sobre o desenvolvimento da sociedade com um poder que antes lhe era inacessível, porém, em troca, se decuplica a influência que os demais elementos da sociedade exercem sobre ele. Um ataque direto das forças hostis pode retirá-lo do poder. Se o ritmo do processo é mais lento pode degenerar internamente sem perder o poder. Esta é precisamente a dialética do processo histórico que escapa aos lógicos sectários para os quais a decadência do stalinismo constitui um argumento aniquilador contra o bolchevismo.

Em essência, o que dizem esses cavalheiros é: o partido que não contém em si mesmo a garantia contra sua própria degeneração é ruim. Com esse critério, o bolchevismo está condenado, pois não tem talismãs. Porém, o critério é errôneo. O pensamento científico exige uma análise concreta: como e por que o partido degenerou? Até o momento, apenas os bolcheviques têm feito esta análise. E não lhes foi necessário romper com o bolchevismo: seu arsenal lhes supriu de todas as ferramentas necessárias para aclarar sua mente. Chegaram à seguinte conclusão: é certo que o stalinismo “adveio” do bolchevismo, mas não de maneira mecânica e sim dialética, não como afirmação revolucionária, mas como negação termidoriana. Não é o mesmo.

O Prognóstico Fundamental do Bolchevismo

Entretanto, os bolcheviques não tiveram que esperar os processos de Moscou para explicar as razões da desintegração do partido governante da URSS. Há muito tempo já previam e descreviam a possibilidade teórica desse processo. Recordemos esse prognóstico que os bolcheviques formularam não só nas vésperas como também muitos anos antes da Revolução de Outubro. É possível que, em virtude de um determinado alinhamento de forças nacionais e internacionais, o proletariado conquiste o poder em um país atrasado como a Rússia. Porém, o mesmo alinhamento de forças demonstra de antemão que, sem uma vitória mais ou menos rápida do proletariado nos países adiantados, o governo russo não sobreviverá. O regime soviético abandonado a sua própria sorte degenerará ou cairá. Mais precisamente, degenerará e depois cairá. Eu mesmo escrevi a respeito, a partir de 1905. Em minha História da revolução russa (veja-se o apêndice do último tomo: “O socialismo num só país”) estão as declarações formuladas pelos dirigentes bolcheviques entre 1917 e 1923. Todas levam à mesma conclusão: sem revolução no ocidente o bolchevismo será liquidado pela contra-revolução interna, a intervenção estrangeira ou uma combinação de ambas. Lênin sublinhou mais de uma vez que a burocratização do estado soviético não era um problema teórico ou organizativo mas o começo potencial da degeneração do estado operário.

No décimo primeiro congresso do partido (março de 1922) Lênin falou do apoio que certos políticos burgueses, como o professor liberal Ustrialov, ofereciam à Rússia soviética sob a NEP. “Estou a favor de apoiar o governo soviético, disse Ustrialov, apesar de ter sido um democrata constitucional, burguês e partidário da intervenção.(4) Estou a favor de apoiar o governo soviético porque tem tomado um rumo que o conduzirá ao estado burguês comum”. Lênin preferia a cínica voz do inimigo às “sentimentais mentiras comunistas”. Sóbria e asperamente, advertia o partido do perigo: “Devemos dizer francamente que as coisas que disse Ustrialov são possíveis. A histórica conhece todo tipo de metamorfoses. Confiar na firmeza das convicções, na lealdade e em outras magníficas qualidades morais é tudo, menos uma atitude séria em política. Alguns poucos possuirão qualidades morais magníficas, porém os problemas históricos são resolvidos pelas grandes massas, as quais tratam aos poucos sem considerar se estes não lhes gostam” (Lênin, Obras completas, vol. 33, pp. 286-287). Enfim, o partido não é o único fator do processo e, à escala histórica mais ampla, nem sequer é o fator decisivo.

“Uma nação conquista a outra, prossegue Lênin no mesmo congresso – o último a que assistiu. Isso é simples, qualquer um pode entender. Porém, o que sucede com a cultura de ambas as nações? Isso não é tão simples. Se a nação conquistadora é mais culta que a vencida, aquela impõe sua cultura a esta; se sucede o contrário, os conquistados impõem sua cultura ao conquistador. Não ocorreu algo parecido na capital (da República Russa)? Não sucedeu que 4.700 comunistas (quase uma divisão do exército, e o melhor deste) se encontram sob a influência de uma cultura alheia?” (Idem, p. 288)

Isso foi dito em princípios de 1922, e não pela primeira vez. A história não é feita por poucos, nem sequer pelos “melhores”. Mais ainda: os “melhores” podem degenerar no espírito de uma cultura alheia, isto é, burguesa. Assim como o estado soviético pôde abandonar o socialismo, o Partido Bolchevique pôde, em condições históricas desfavoráveis, perder seu bolchevismo.

A Oposição de Esquerda surgiu definitivamente em 1923, a partir de uma compreensão clara deste perigo. Ao registrar os sintomas de degeneração, dia a dia, tratou de opor a vontade consciente da vanguarda proletária ao termidor crescente. Entretanto, o fator subjetivo se mostrou insuficiente. As “grandes massas” que, segundo Lênin, definem o resultado da luta, se cansaram das privações internas e de aguardar a revolução mundial. Seu estado de ânimo decaiu. A burocracia se impôs. Atemorizou a vanguarda proletária, pisoteou o marxismo, prostituiu o Partido Bolchevique. O stalinismo triunfou. O bolchevismo, sob a forma da Oposição de Esquerda, rompeu com a burocracia soviética e sua Comintern. Assim foi o verdadeiro processo.

É certo que, no sentido formal, o stalinismo surgiu do bolchevismo. Até o dia de hoje a burocracia de Moscou continua se intitulando Partido Bolchevique. Utiliza o velho rótulo do bolchevismo para melhor enganar as massas. Ainda mais dignos de lástima são os teóricos que confundem a casca com o miolo, a aparência com a realidade. Ao identificar o stalinismo com o bolchevismo rendem os melhores préstimos aos termidorianos e, justamente por isso, desempenham um papel evidentemente reacionário.

Eliminados todos os demais partidos da cena política, os interesses e tendências políticas antagônicas dos diversos extratos da população devem se expressar, em maior ou menor medida, no partido governante. Na medida em que o centro de gravidade político se transferiu da vanguarda para a burocracia, foi alterada tanto a estrutura social quanto a ideologia do partido. Em quinze anos, o desenvolvimento precipitado do processo lhe provocou uma degeneração muito mais radical que a sofrida pela social-democracia em meio século. Depois das expulsões, a linha demarcatória entre o stalinismo e o bolchevismo não é uma linha sangrenta e sim um rio de sangue. A aniquilação de toda a velha geração bolchevique, de um setor importante da geração intermediária – a que participou na guerra civil -, e do setor da juventude que assumiu seriamente as tradições bolcheviques, demonstra que entre o bolchevismo e o stalinismo existe uma incompatibilidade que não é apenas política mas também diretamente física. Como ignorar isso?

Estalinismo e “Socialismo de Estado”

Por sua parte, os anarquistas querem ver no stalinismo um produto orgânico não somente do bolchevismo e do marxismo mas também do “socialismo de estado” em geral. Estão dispostos a trocar o conceito patriarcal, de Bakunin, de “federação de comunas livres” pelo conceito mais moderno de federação de soviets livres(5). Contudo, hoje como ontem, se opõem ao poder estatal centralizado. Nos fatos, um setor do marxismo “estatal” – a social-democracia -, chegou ao poder e se converteu num franco agente do capitalismo. Do outro lado surgiu uma casta privilegiada. É evidente que a raiz do mal seja o estado.

Desde um ponto de vista histórico amplo, este raciocínio contém uma réstia de verdade. O estado, enquanto aparato de coerção é, sem dúvida, uma fonte de degeneração política e moral. A experiência demonstra que isto também sucede no caso do estado operário. Pode-se dizer, portanto, que o stalinismo é produto de uma situação na qual a sociedade foi incapaz de livrar-se da camisa-de-força do estado. Todavia, esta situação não serve para avaliar o marxismo e o bolchevismo: caracteriza tão somente o nível cultural geral da humanidade e, sobretudo, a relação de forças entre o proletariado e a burguesia. Mesmo coincidindo com os anarquistas em que o estado, incluindo o estado operário, é filho da barbárie de classe e que a verdadeira história da humanidade começará com a abolição do estado, ainda resta, com todo vigor, o seguinte questionamento: quais serão as “vias e métodos” que conduzirão, por último, à abolição do estado? A experiência recente nos demonstra que esses métodos não serão os dos anarquistas, com certeza.

No momento crítico, os dirigentes da CNT – a única organização anarquista importante do mundo – entraram para a equipe ministerial burguesa.(6) Para justificar sua traição aos princípios do anarquismo invocaram a pressão das “circunstâncias especiais”. Porém, acaso os dirigentes social-democratas alemães não invocaram o mesmo pretexto, em seu momento? Logicamente, a guerra civil não é uma situação pacífica, nem comum, mas sim uma “circunstância excepcional”. Entretanto, as organizações revolucionárias sérias se preparam para atuar, justamente, em “circunstâncias excepcionais”. A experiência da Espanha demonstrou mais uma vez que se pode “negar” o estado em panfletos publicados em “circunstâncias normais”, com a permissão do estado burguês, mas que as circunstâncias da revolução não permitem “negar” o estado; ao contrário, exigem a conquista do estado. Não temos a menor intenção de condenar os anarquistas por não ter abolido o estado “com um golpe de mão”. A conquista do poder (que os dirigentes anarquistas se mostraram incapazes de realizar, apesar do heroísmo demonstrado pelos operários anarquistas) de maneira alguma converte o partido revolucionário em senhor soberano da sociedade. Porém, condenamos sim, severamente, a teoria anarquista que, mesmo aparentemente apta para épocas de paz, teve que ser abandonada rapidamente quando apareceram as “condições excepcionais” da… revolução. Existiam, nos velhos tempos, certos generais – provavelmente, todavia, existem – que diziam que não há coisa mais nociva para um exército que a guerra. A essa mesma categoria pertencem os revolucionários cuja doutrina é destruída pela revolução.

Os marxistas coincidem plenamente com os anarquistas quanto ao objetivo final: a abolição do estado. Os marxistas são “estatistas” tão somente na medida em que se torna impossível abolir o estado ignorando-o. A experiência do stalinismo não refuta as lições do marxismo: as confirma, pela inversão. Evidentemente, a doutrina revolucionária que ensina ao proletariado a encontrar a orientação justa e a aproveitar ativamente cada situação não contém uma garantia automática de vitória. Todavia, somente se pode alcançar a vitória mediante a aplicação dessa doutrina. De outra parte, não se deve visualizar a vitória como um fato único. Esta deve ser projetada sobre a perspectiva da época histórica. O primeiro estado operário – montado sobre bases econômicas inferiores às do imperialismo e cercado por este – se transformou na polícia do stalinismo. Porém, o bolchevismo autêntico lançou uma luta de vida ou morte contra essa polícia. Agora, o stalinismo, para se manter no poder, vê-se obrigado a lançar uma guerra civil aberta contra o bolchevismo, sob o rótulo de “trotskismo”, não apenas na URSS mas também na Espanha. O velho Partido Bolchevique está morto, mas o bolchevismo levanta a cabeça em todas as partes.

Deduzir o stalinismo do bolchevismo ou do marxismo equivale, num sentido mais amplo, a deduzir a contra-revolução da revolução. Esta verdade conhecida tem sido uma característica do pensamento liberal-conservador e também do reformista. Devido à estrutura de classes da sociedade, as revoluções sempre engendram contra-revoluções. Isso não significa – diz o lógico – que o método revolucionário tem uma falha intrínseca? Apesar disso, até o momento nem os liberais nem os reformistas descobriram um método mais econômico. Mas, se não é fácil racionalizar o processo histórico vivido, não é em absoluto difícil encontrar uma interpretação racional de suas sucessivas ondas e deduzir, por pura lógica, o stalinismo do “socialismo de estado”, o fascismo do marxismo, a reação da revolução, enfim, a antítese da tese. Neste terreno, como em muitos outros, o pensamento anarquista cai no racionalismo liberal. Não pode haver pensamento revolucionário autêntico sem dialética.

Os “Pecados” Políticos do Bolchevismo: Origem do Estalinismo

Em certas ocasiões, os argumentos dos racionalistas assumem, ao menos em sua forma externa, um caráter mais concreto. Não deduzem o stalinismo do bolchevismo em sua totalidade, mas de seus pecados políticos.(7) Os bolcheviques – segundo Gorter, Pannekoek, certos “espartaquistas” e outros sujeitos(8) – substituíram a ditadura do proletariado pela ditadura do partido; Stalin trocou a ditadura do partido pela ditadura de sua burocracia. Os bolcheviques destruíram todos os partidos, menos o próprio; Stalin estrangulou o Partido Bolchevique com o altar de sua camarilha bonapartista. Os bolcheviques firmaram acordos com a burguesia; Stalin se converteu em aliado e apoio da burguesia. Os bolcheviques sustentavam a necessidade de participar nos velhos sindicatos e no parlamento burguês; Stalin buscou e conseguiu a amizade da burocracia sindical e da democracia burguesa. Pode-se fazer comparações semelhantes, à vontade. Com toda sua aparente contundência, seu valor é nulo.

O proletariado apenas pode conquistar o poder por intermédio de sua vanguarda. A necessidade do poder estatal é, por si, um produto do insuficiente nível cultural e da heterogeneidade das massas. A vanguarda revolucionária, organizada em partido, cristaliza as aspirações de liberdade das massas. Se a classe não confia na vanguarda, se a classe não apoia a vanguarda, nem sequer se pode falar de conquista do poder. Neste sentido, a revolução e a ditadura proletária é obra da classe em seu conjunto, porém sob a direção da vanguarda. Os soviets são somente a forma organizada do vínculo entre a vanguarda e a classe. Apenas o partido pode dar a esta forma o conteúdo revolucionário, tal como demonstram a experiência da Revolução de Outubro e a experiência negativa de outros países (Alemanha, Áustria, agora Espanha). Ninguém tem demonstrado na prática, nem tratado de explicar, em forma articulada sobre o papel, como o proletariado pode conquistar o poder sem a direção política de um partido que sabe o que quer. A subordinação política dos soviets aos dirigentes do partido, através do partido, não aboliu o sistema soviético, da mesma maneira que a maioria conservadora não tem abolido o sistema parlamentar britânico.

Quanto à proibição dos demais partidos soviéticos, esta não é produto de uma “teoria” bolchevique, e sim uma medida de defesa da ditadura de um país atrasado e devastado, rodeado de inimigos. Os bolcheviques compreenderam claramente, desde o princípio, que esta medida, complementada posteriormente com a proibição de frações no próprio partido governante, indicava um perigo enorme. Entretanto, o perigo não estava na doutrina nem na tática, mas sim na debilidade material da ditadura e nas dificuldades internas e internacionais. Se a revolução houvesse triunfado tão-somente na Alemanha, houvera desaparecido por completo a necessidade de proibir os partidos soviéticos. É absolutamente indiscutível que a dominação do partido único serviu como ponto de partida jurídico para o sistema totalitário stalinista. Porém, a causa deste processo não está no bolchevismo nem na proibição dos demais partidos, como medida transitória de guerra, mas sim nas derrotas do proletariado na Europa e na Ásia.

O mesmo pode ser dito da luta contra o anarquismo. Durante o período heroico da revolução os bolcheviques lutaram ombro a ombro com os anarquistas autenticamente revolucionários. Muitos passaram para as fileiras do partido. Mais de uma vez, Lênin e o autor destas linhas discutiram a possibilidade de conceder aos anarquistas determinados territórios onde, com o consentimento da população local, pudessem realizar a experiência de abolir o estado. Porém, a guerra civil, o bloqueio e a fome não permitiram dar vazão a tais planos. A insurreição de Kronstadt? Todavia, naturalmente, o governo revolucionário não podia “presentear” a fortaleza que defendia a capital aos marinheiros insurretos, simplesmente porque alguns anarquistas vacilantes se uniram à rebelião reacionária dos soldados e dos camponeses. A análise histórica concreta dos acontecimentos reduz a pó todas as lendas sobre Kronstadt, Majno e outros episódios da revolução, baseadas na ignorância e no sentimentalismo.

Resta apenas o fato de que, desde o começo, os bolcheviques aplicaram não somente a convicção mas também a compulsão, frequentemente da maneira mais brutal. Também é indubitável que a burocracia que surgiu da revolução posteriormente monopolizou o sistema coercitivo para seus próprios fins. Cada etapa de um processo, inclusive quando se trata essencialmente da casta de usurpadores, são hostis a qualquer teoria: não pode prestar contas de seu papel de mudanças tão catastróficas como a revolução e a contra-revolução, parte do estado anterior, está enraizada nele e conserva algumas de suas características. Os liberais, inclusive os Webb, têm dito sempre a ditadura bolchevique é uma nova versão do czarismo.(9) Fecham os olhos para “detalhes” tais como a abolição da monarquia e da nobreza, a entrega da terra aos camponeses, a expropriação do capital, a introdução da economia planificada, a educação ateia etc. Assim mesmo, o pensamento liberal-anarquista esquece que a revolução bolchevique, com toda sua coerção, significou um revolver de todas as relações sociais a favor das massas, enquanto que a reviravolta stalinista termidoriana acompanha a transformação da sociedade soviética em favor dos interesses de uma minoria privilegiada. Evidentemente, o pensamento que identifica o stalinismo com o bolchevismo não contém um grão de critério socialista.

Problemas de Teoria

Uma das marcas mais visíveis do bolchevismo tem sido sua atitude severa, exigente, inclusive irascível com respeito às questões teóricas. Os 27 volumes das obras de Lênin permanecerão para sempre como um exemplo da mais elevada seriedade teórica(10). Sem esta qualidade fundamental, o bolchevismo jamais houvera realizado sua missão histórica. Nesta esfera, o stalinismo, grosseiro, ignorante e totalmente empírico, se encontra no polo oposto.

Há mais de dez anos a Oposição declarou em seu programa: “Desde a morte de Lênin se criou toda uma série de teorias novas, cuja única finalidade é justificar o distanciamento dos stalinistas do caminho da revolução proletária internacional.”(11) Há poucos dias, o autor norte-americano Liston M. Oak, que participou na revolução espanhola, escreveu o seguinte: “Hoje em dia os stalinistas são os maiores revisionistas de Marx e Lênin: Bernstein não se atreveu a recorrer nem à metade do caminho que Stalin recorreu na revisão de Marx.”(12) É totalmente certo. Somente falta acrescentar que Bernstein devia satisfazer certas necessidades teóricas: tratou conscientemente de estabelecer a relação entre a prática reformista e o programa da social-democracia. A burocracia stalinista, ao contrário, é alheia não só ao marxismo mas também a qualquer doutrina ou sistema. Sua “ideologia” está imbuída de subjetivismo policialesco; sua prática é o empirismo da violência desnudada. Pela natureza mesma de seus interesses essenciais, esta casta dos usurpadores é hostil a toda teoria: ela não pode prestar contas de seu papel social nem a si mesma nem a ninguém. Stalin revisa a Marx e a Lênin não com a pena do teórico mas sim com a bota da GPU.

O Problema Moral

Os que mais se queixam da “imoralidade” dos bolcheviques são essas nulidades presunçosas a quem o bolchevismo arrancou as máscaras baratas. Os círculos pequeno-burgueses, intelectuais, democráticos, “socialistas”, literários, parlamentares e outros do mesmo calão conservam os valores convencionais, ou empregam uma linguagem convencional para ocultar sua falta de valores. Essa vasta e colorida cooperativa de proteção mútua – “viver e deixar viver” – não pode suportar o roçar do bisturi marxista em sua pele sensível. Esses teóricos, escritores e moralistas que oscilam entre os distintos campos, pensavam e seguem pensando que os bolcheviques exageram propositalmente as diferenças, que são incapazes de colaborar de forma “leal” e que, com suas “intrigas”, rompem a unidade do movimento operário. Por sua parte, o centrista sensível e melindroso sempre acreditou que os bolcheviques o “caluniavam”… simplesmente porque desenvolviam os vagos pensamentos do centrista até o fim: ele jamais pôde fazê-lo. Mas, é fato que somente a valorosa qualidade de manter uma atitude intransigente contra tudo o que seja sofisma e evasão permitiu ao partido revolucionário se educar e não ser surpreendido por “circunstâncias excepcionais”.

Em última instância, as qualidades morais de qualquer partido derivam dos interesses históricos que este representa. As qualidades morais bolcheviques de abnegação, desinteresse, audácia e desprezo por todo ornamento e falsidade – as maiores qualidades do ser humano! – derivam de sua intransigência revolucionária a serviço dos oprimidos. Neste terreno, a burocracia stalinista imita os termos e gestos do bolchevismo. Porém, a “intransigência” e a “inflexibilidade”, aplicadas por um aparato policial a serviço de uma minoria privilegiada, se convertem em fonte de desmoralização e gangsterismo. Só nos resta sentir desprezo por esses cavalheiros que identificam o heroísmo revolucionário dos bolcheviques com o cinismo burocrático dos termidorianos.

Hoje em dia, apesar dos acontecimentos dramáticos do passado recente, o filisteu comum quer crer que o choque entre o bolchevismo (“trotskismo”) e o stalinismo é um mero choque de ambições pessoais ou, no melhor dos casos, entre dois “matizes” do bolchevismo. Temos a expressão mais grosseira desta opinião em Norman Thomas, dirigente do Partido Socialista norte-americano: “Existem poucas razões para acreditar – escreve (American Socialist Review, setembro de 1937, p. 6) – que se o ganhador (!) houvesse sido Trótski, no lugar de Stalin, teria terminado as intrigas, conjuras e o reino do terror na Rússia.” O homem que escreve isso se considera …marxista. Aplicando o mesmo critério, poderíamos dizer: “Existem poucas razões para acreditar que se o titular da Santa Sé não fosse Pio XI e sim Norman I, a igreja católica se transformaria num bastião do socialismo.”

Thomas se nega a compreender que não se trata de uma briga entre Stalin e Trótski, mas sim do antagonismo entre a burocracia e o proletariado. É certo que a burocracia governante se vê obrigada, inclusive hoje, a se adaptar à herança da revolução, ainda não totalmente liquidada, ao mesmo tempo em que prepara uma mudança no regime social através da guerra civil (“limpeza” sangrenta: aniquilação em massa dos descontentes). Porém, na Espanha a camarilha stalinista já atua abertamente como baluarte da ordem burguesa contra o socialismo. Diante de nossos olhos, a luta contra a burocracia bonapartista se transforma em luta de classes: dois mundos, dois programas, duas morais. Se Thomas pensa que a vitória do proletariado socialista sobre a infame casta de opressores não regeneraria política e moralmente o regime soviético, então demonstra que, apesar de suas reservas, evasões e suspiros piedosos, se encontra muito mais próximo da burocracia stalinista que dos operários.

Thomas, igual a todos os que se enfurecem com a “imoralidade” bolchevique, não está à altura da moral revolucionária.

As Tradições Bolcheviques e a IV Internacional

Os “esquerdistas” que trataram de “retornar” ao marxismo passando ao largo do bolchevismo, geralmente caíram em panaceias isoladas: boicote aos velhos sindicatos, boicote ao parlamento, criação de soviets “autênticos”. Tudo isso podia parecer muito profundo ao calor dos primeiros dias do pós-guerra. Agora, depois das experiências recentes, semelhantes “enfermidades infantis” nem sequer se mostram interessantes objetos de estudo. Os holandeses Gorter e Pannekoek, os “espartaquistas” alemães, os bordiguistas italianos, quiseram demonstrar sua independência do bolchevismo: exaltaram artificialmente uma de suas características e a opuseram às demais.(13) Porém, nada resta destas tendências de “esquerda”, nem a teoria nem a prática; prova indireta mas contundente de que o bolchevismo é o único marxismo possível para nossa época.

O Partido Bolchevique mostrou na ação a combinação da maior audácia revolucionária com o realismo político. Mostrou, pela primeira vez, qual é a única relação entre vanguarda e classe capaz de garantir a vitória. Demonstrou na experiência que a aliança entre o proletariado e as massas oprimidas da pequena burguesia rural e urbana requer a prévia derrota política dos partidos pequeno-burgueses tradicionais. O Partido Bolchevique mostrou ao mundo inteiro como se deve realizar a insurreição armada e a conquista do poder. Quem contrapõe a abstração dos soviets à ditadura do partido deve compreender que somente graças à direção bolchevique os soviets puderam elevar-se do lodo reformista e ascender à forma estatal proletária. Na guerra civil o Partido Bolchevique conseguiu a justa combinação da arte militar e política marxista. Se a burocracia stalinista conseguir destruir os alicerces econômicos da nova sociedade, a experiência da economia planificada sob a direção bolchevique passará igualmente à história como uma das maiores lições da humanidade. Somente os sectários desgostosos e ofendidos, que deram as costas ao processo histórico, podem ignorar isso.

Mas isso não é tudo. O Partido Bolchevique pôde realizar sua magnífica obra “prática” porque iluminou todos seus passos com a teoria. O bolchevismo não criou a teoria: essa foi propiciada pelo marxismo. Porém, o marxismo é a teoria do movimento, não do estancamento. Somente os acontecimentos de grande envergadura histórica poderiam enriquecer a própria teoria. O bolchevismo fez aportes de grande valor ao marxismo: a análise da época imperialista como época de guerras e revoluções; a democracia burguesa na era da decadência capitalista; a relação recíproca entre greve geral e insurreição; o papel do partido, os soviets e os sindicatos na época de decadência capitalista; por último, a análise da degeneração do próprio Partido Bolchevique e do estado soviético. Que se nomeie alguma tendência que haja agregado algum aporte essencial às conclusões e generalizações do bolchevismo. Nos terrenos teórico e político, Vandervelde, De Brouckere, Hilferding, Otto Bauer, León Blum, Zyromsky, sem falar do grande Attlee e Norman Thomas, vivem dos restos apodrecidos do passado.(14) A expressão mais grosseira da degeneração da Comintern é seu declínio ao nível teórico da Segunda Internacional. Os grupos intermediários em todas suas variantes (Partido Trabalhista Independente da Grã Bretanha, POUM e outros) adaptam fragmentos tomados aleatoriamente de Marx e Lênin a suas necessidades de cada semana. Nada podem ensinar aos operários.

Somente os fundadores da IV Internacional, que têm assumido a tradição de Marx e Lênin, mantêm uma atitude séria com a teoria. Os filisteus podem zombar dos revolucionários que, vinte anos depois da Revolução de Outubro, voltam a se converter em modestos grupos de propaganda e preparação. Neste terreno, como em tantos outros, os grandes capitalistas demonstram ser muito mais perspicazes que os pequenos burgueses que se consideram “socialistas” ou “comunistas”. Não é casual que o tema da IV Internacional não desapareça das colunas da imprensa mundial. A candente necessidade histórica de construir uma direção revolucionária assegura à IV Internacional um ritmo de crescimento excepcionalmente rápido. A maior garantia de seu futuro êxito radica em que não tenha surgido separada do grande caminho histórico, mas como produto orgânico do bolchevismo.

(1) Rudolph Hilferding (1877-1941): dirigente social-democrata alemão antes da I Guerra Mundial, foi pacifista durante a mesma. Foi ministro da Fazenda nos governos burgueses de 1923 e 1928. Morreu num campo de concentração nazista durante a II Guerra Mundial.

(2) Willi Schlamm (nascido em 1904): um dos fundadores da Oposição de Direita austríaca. Com a chegada de Hitler ao poder, publicou vários artigos importantes de Trotsky na Die Neue Weltbuehne, revista que dirigia. Posteriormente, se radicou nos Estados Unidos e foi editor da rede de publicações Henry Luce.

(3) Socialismo anterior a março de 1848: refere-se ao socialismo utópico, refutado e repudiado por Marx e Engels quando iniciaram a construção do movimento revolucionário.

(4) N. V. Ustrialov: membro do Partido Democrata Constitucional (Cadete), era um liberal, partidário de uma monarquia constitucional ou de uma república na Rússia. O Cadete era um partido de latifundiários, burgueses meios e intelectuais burgueses progressivos. Ustrialov se opôs à revolução bolchevique, mas logo trabalhou para o governo soviético, acreditando que este seria obrigado a restaurar o capitalismo. Preso em 1937, foi acusado de realizar atividades anti-soviéticas e desapareceu.

(5) Mijail Bakunin (1814-1876): contemporâneo de Marx e membro da I Internacional, foi o fundador do anarquismo. Sua teoria propugnava a abolição do estado e a criação de uma federação de comunidades livres.

(6) CNT (Confederação Nacional do Trabalho): federação anarco-sindicalista espanhola.

(7) Um dos representantes destacados desta corrente de pensamento é o francês B. Souvarine, autor de uma biografia de Stalin. O lado fático e documental de sua obra é produto de uma investigação prolongada e séria. Porém, a filosofia histórica deste autor brilha por sua vulgaridade. Busca a explicação dos contratempos históricos posteriores nas falhas intrínsecas do bolchevismo. Para ele não existem as pressões do verdadeiro processo histórico sobre o bolchevismo. Tai’ne, com sua teoria do “entorno”, se encontra mais próximo de Marx que Souvarine (Nota de LT). (Hippolyte Tai’ne (1929-1893) – filósofo francês cujas teorias deterministas, segundo as quais o homem é produto da herança, do condicionamento histórico e do meio social, se converteram na base da escola naturalista.

(8) Hermann Gorter (1828-1927) e Anton Pannekoek (1873-1960): escritores da esquerda social-democrata holandesa. Durante a I Guerra Mundial foram pacifistas e internacionalistas e se vincularam à esquerda de Zimmerwald. Ingressaram no PC holandês em 1918, mas se opuseram à participação dos comunistas nos sindicatos e no parlamento. Criticados por seu ultra-esquerdismo, se separaram do PC em 1921. Os primeiros espartaquistas tomaram o nome do Partido Comunista alemão em 1919. Posteriormente, distintas seitas oportunistas e ultra-esquerdistas da Alemanha e outros países utilizaram esse nome. Trotsky se refere, aqui, a estas últimas.

(9) Sydney (1859-1947) e Beatrice (1858-1943) Webb: socialistas fabianos ingleses e admiradores da burocracia stalinista.

(10) Para 1977, as Obras completas (edição em inglês) de Lênin (Moscou, Editorial Progresso), totalizavam 45 volumes.

(11) Veja-se a “Plataforma da Oposição” em The Challenge of the Left Opposition (1926-27), New York, Pathfinder Press, 1979.

(12) Liston Oak (1895-1970): jornalista, rompeu com os stalinistas durante a guerra civil espanhola em 1937. Escreveu durante um tempo para a imprensa trotskista mas logo se filiou à social-democracia. Eduard Bernstein (1850-1932): principal teórico do revisionismo na social-democracia alemã. Sustentava que o marxismo já não era válido e devia ser “revisado”: o socialismo não seria produto da luta de classes e da revolução, mas da reforma gradual do capitalismo, empregando métodos parlamentares; por conseguinte, o movimento operário devia abandonar a política classista e adotar a da colaboração de classes.

(13) Bordiguistas italianos: grupo ultra-esquerdista dirigido por Amadeo Bordiga (1889-1970), expulso do PC italiano acusado de ser “trotskista”, em 1929. Os trotskistas trataram de trabalhar com os bordiguistas, porém não puderam devido ao sectarismo destes últimos: por exemplo, se opunham à frente única por razões principistas.

(14) Emile Vandervelde (1866-1938): dirigente do Partido Trabalhista belga e presidente da Segunda Internacional, 1929-36. Foi ministro durante a Primeira Guerra Mundial e firmou o tratado de Versalles, em nome da Bélgica. Louis de Brouckere: dirigente do trabalhismo belga e belicista durante a Primeira Guerra Mundial. Presidiu a Segunda Internacional em 1937-39. Clement Attlee (1883-1967): dirigente do Partido Trabalhista inglês a partir de 1935, ocupou postos no gabinete de Winston Churchill em 1940-45. Quando o trabalhismo ganhou as eleições de 1945, Attlee foi nomeado primeiro-ministro e ocupou esse cargo até 1951.

Texto original: https://www.marxists.org/portugues/trotsky/1937/08/29.htm

1ª Edição de 29 de Agosto de 1937.

Origem da presente transcrição: Texto Extraído do CD Escritos de Leon Trótski, Investigaciones y Publicaciones Leon Trótski, Buenos Aires, 2001, Livro 1.

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