No dia de hoje, há 40 anos, em plena vigência da ditadura militar, a Polícia Militar de São Paulo assassinava com um tiro
pelas costas, o metalúrgico e grevista Santo Dias da Silva, de apenas 37 anos, durante um piquete na fábrica Sylvânia, na zona sul da Capital, parte de uma greve que reunia milhares de metalúrgicos, em um momento de conturbada crise política do regime militar e quando a classe operaria dava seus primeiros passos no sentido de promover um gigantesco ascenso que vai levar ao fim do regime de arbítrio iniciado em 1964.
A notícia de sua morte levou às ruas dezenas de milhares de operários, ampliando a greve da categoria, em uma das manifestações mais combativas contra do regime militar até então.
Origem camponesa e inicio da militância
Santo Dias, nasceu em Terra Roxa, cidade do Noroeste paulista, em 22 de fevereiro de 1942, filho de camponeses pobres, com sete irmãos. Sua família trabalhava como meeiros em diversas fazendas da região.
De família católica, desde sua adolescência, Santo participava das atividades religiosas em sua terra natal, sendo membro da Legião de Maria. Ainda com 18 anos, entre 1960 e 1961, participa com seus familiares e outros empregados da Fazenda Guanabara, de um movimento reivindicando melhores condições de trabalho e salário. Em retaliação, sua família foi expulsa da colônia em que morava e passou a residir na cidade, em uma casa de aluguel.
Santo, decide então vir morar em São Paulo, e se muda para o bairro operário de Santo Amaro, e logo passa a trabalhar como ajudante geral na Metal Leve, empresa de auto peças, passando a integrar a categoria metalúrgica que, contava à época com cerca de meio milhão de trabalhadores, na Capital paulista.
Na oposição metalúrgica
Durante a ditadura militar, a direção do Sindicato de Metalúrgicos de São Paulo, maior sindicato operário do País, é dominado por pelegos, agentes infiltrados e elementos de confiança da ditadura militar e dos patrões (cujos aliados controlam a entidade até os dias de hoje, em estreita relação com a FIESP – Federação das Indústrias do Estado de São Paulo).
Santo Dias, milita na Pastoral Operária da Igreja Católica e integra a Oposição Sindical Metalúrgica,
que organiza as
principais mobilizações da categoria contra o arrocho salarial imposto pela ditadura militar, por fora da orientação pelega da diretoria sindical.
Estimulados pelas combativas greves do ABC paulista a partir de 1978, iniciadas a partir das organizações de base dos trabalhadores, contra os acordos salariais assinados pela diretoria do Sindicato dos Metalúrgicos do ABC, a oposição metalúrgica paulista impulsiona a organização nos locais de trabalho e nos bairros (onde muitas vezes se reunem nas igrejas e associações comunitárias) que dão origem a comissões de fábricas e comandos das mobilizações de milhares de trabalhadores, ultrapassando em vários momentos a barreira da burocracia sindical e da intensa repressão patronal e policial, amparadas na legislação repressiva da ditadura.

Inicia-se um ascenso das lutas operárias. Em São Bernardo, no dia 12 de maio de 1978, os metalúrgicos da Scania-Vabis param, reivindicando 21% de aumento salarial. No dia 29 de maio, a Toshiba, em São Paulo, também paralisa a sua produção. Um dos integrantes da comissão da Toshiba era Anísio Batista, que, junto com Santo Dias, vai encabeçar a chapa de oposição, nas eleições sindicais de 1978, amparados em um forte trabalho de base que a Oposição realizava nas fábricas.
Às vésperas da eleição, Santo Dias (candidato a vice-presidente) é demitido da Metal Leve, onde era inspetor de qualidade. Emprega-se na Alfa Fogões, no Brás, na Zona Norte. Participa das eleições sindicais, mas a Oposição Sindical Metalúrgica (OSM) é derrotada, em eleições fraudadas, que serão – incialmente – anuladas, diante da grosseria do esquema fraudulento comandado pelo então presidente do Sindicato, Joaquim Santos Andrade, o “Joaquinzão”, pelego algo da ditadura e depois aliado de políticos da burguesia, chegando a ser suplente de senador do tucano Mário Covas.
Diante da determinação da justiça paulista de que sejam realizadas novas eleições, “Joaquinzão” vai a Brasilia, reune com o ministro do Trabalho, da ditadura militar, Arnaldo Prieto, que vem a São Paulo dar posse à delegada.
A greve de 79
No ano de 1979, intensifica-se a crise da ditadura, diante doa avanço da crise econômica e da reação popular, liderada pela classe operária. Em meio à campanha pela anistia para os presos políticos, banidos e perseguidos pelo regime militar, o governo edita a Lei de Anistia, que também atinge os torturadores e assassinos das forças armadas e de todo aparato repressivo. Começam a voltar ao país, políticos exilados e intensifica-se o clima de polarização política, puxado pelas lutas operárias.
A Oposição Sindical Metalúrgica de São Paulo (OSM) realiza, em março, seu primeiro congresso, definindo como princípios de sua atividade a formação de uma frente sindical para lutar pela mudança da estrutura dos sindicatos, que, entendiam, deveriam ser independentes do Estado e organizados a partir das comissões de fábrica. Santo Dias participa desse processo. Em outubro, os metalúrgicos começariam uma nova campanha salarial, reivindicando reajuste de 83% dos salários, totalmente corroídos pela inflação. Os patrões rejeitam e uma assembleia com cerca de seis mil trabalhadores, realizada na rua do Carmo, em frente à sede do Sindicato, decide iniciar a greve da categoria.

Já no primeiro dia da paralisação, 28 de outubro, as subsedes do sindicato, abertas por pressão da Oposição para abrigar os comandos de greve, são invadidas pela Polícia Militar. Pelo menos 130 metalúrgicos são presos, som apoio da diretoria do Sindicato que atua contra a greve.
O covarde assassinato
Na zona sul, os metalúrgicos passaram a se reunir na Capela do Socorro, na Zona Sul, maior concentração de operários da categoria. No dia 30, Santo Dias, como parte do comando de greve, sai da Capela do Socorro, para reforçar um piquete na frente da fábrica Sylvânia e discutir com os operários que entrariam no turno das 14h.
Segundo seus companheiros, presentes no piquete, viaturas da PM chegam e Santo Dias tenta dialogar com os policiais para libertar um companheiro preso. Agido com a tradicional brutalidade e covardia da PM, o soldado Herculano Leonel atira pelas costas em Santo Dias.
Seguindo o roteiro, de desfazer a cena do crime, a PM leva Santo, já morto, para o Pronto Socorro de Santo Amaro. Relatos dão conta de que seu corpo só não “desapareceu”, como era comum na época, por conta da coragem de Ana Maria, sua esposa, que entra no carro que transportava seu corpo para o Instituto Médico Legal, sem ceder às pressões e ameaças da Policia para que não o fizesse.
A noticia de sua morte corre as fábricas e no seu velório na Igreja da Consolação, com passeata até a Sé, no dia 31 de outubro, participam mais de 30 mil pessoas, em uma grande e combativa manifestação operária saíram às ruas da Capital para acompanhar o enterro e protestar contra a morte do líder operário e contra a ditadura, em uma das mais importantes manifestações contra a ditadura até então.
A classe operária vai pra cima da ditadura e ocupa as ruas, anunciando o caminho para liquidar o regime de arbítrio.
Assassino inocentado
Apenas em 8 de abril de 1982, depois de 20 horas de julgamento, o soldado que assassinou Santo Dias, Herculano Leonel,
é condenado a seis anos de prisão pelo Conselho de Sentença da Primeira Auditoria Militar do Estado de São Paulo. A defesa recorre e, em 16 de dezembro de 1983, o Tribunal de Justiça Militar do Estado de São Paulo decreta a absolvição do policial, em decisão unânime, encerrando o caso, sem possibilidade de recurso.





