No último domingo (23) foi lançado um manifesto intitulado Pela Democracia, pelo Brasil (ou DemocraciaSim), assinado por “artistas, advogados, ativistas e empresários”, contra a candidatura à Presidência da República de Jair Bolsonaro (PSL) e Hamilton Mourão (PRTB). O movimento surgiu na esteira daquele iniciado pelas Mulheres unidas contra Bolsonaro no Facebook, com 3 milhões de participantes – o responsável pelas as hashtags #EleNão / #EleNunca, que foi amplamente alavancado pela imprensa golpista brasileira e internacional. Principal órgão de divulgação do pensamento neoliberal, a revista inglesa The Economist chegou a lançar uma edição em que estampava em sua capa uma foto de Bolsonaro com a manchete: Bolsonaro presidente: a última ameaça da América Latina. Personalidades como a apresentadora direitista Raquel Sheherazade, o ex-presidente Fernando Henrique Cardoso (PSDB) e o ex-presidente dos Estados Unidos Bill Clinton também se manifestaram contra a candidatura dos militares.
A defesa é da “Democracia”, como se esta fosse um valor abstrato, como se não fosse fruto de uma contínua luta dos trabalhadores por direitos mínimos frente ao poder do imperialismo e das burguesias nacionais. Tal premissa, cultivada tanto pela classe dominante quanto por amplos campos da própria esquerda, nada mais faz que escamotear a luta diária de vida ou morte entre as classes sociais pelo poder. Numa fantasia idealista, acreditam que as eleições burguesas equivaleriam a participação popular. O voto na urna, forjado por campanhas publicitárias milionárias e por currais eleitorais que concedem favores paroquiais, se sobreporia como valor à organização da classe trabalhadora e à elevação de sua consciência.
Cinicamente, apoiadores do golpe de Estado que financiaram e promoveram o impeachment ilegal de Dilma Rousseff em 2016 e a prisão de Lula em 2018 se dizem a favor da suposta “democracia”. Não é diferente no caso do movimento DemocraciaSim.
Seus organizadores são justamente os barões do rentismo, os financiadores do golpe em curso no Brasil, como a banqueira Neca Setúbal – da família dona do Banco Itaú – ou José Marcelo Zacchi, Secretário-Geral do Grupo de Institutos Fundações e Empresas (Gife), e parceiro da Fundação Lemann (do banqueiro Jorge Paulo Lemann). Após afundarem o país no governo de Michel Temer (MDB), após alimentarem o crescimento do fascismo no Brasil por meio de grupos como o Movimento Brasil Livre (MBL) e congêneres, agora se voltam contra uma de seus cães de guarda afirmando prezar “a democracia. A democracia que provê abertura, inclusão e prosperidade aos povos que a cultivam com solidez no mundo. Que nos trouxe nos últimos 30 anos a estabilidade econômica, o início da superação de desigualdades históricas e a expansão sem precedentes da cidadania entre nós”.
Evidentemente, não se pode atribuir a esse movimento senão um propósito golpista. No caso específico, pela intensidade e pelo momento eleitoral em que ocorreu, parece claro que o objetivo é alavancar as candidaturas dos verdadeiros direitistas, das candidaturas de confiança do imperialismo, como a de Geraldo Alckmin (PSDB), Ciro Gomes (PDT), Marina Silva (Rede) – ainda por serem devidamente apoiados pelos minoritários Álvaro Dias (Podemos), João Amoedo (Novo/Itaú) ou mesmo Henrique Meirelles (MDB). O movimento é claramente DireitaSim e, mais ainda, AlckminSim.
O eleitorado de Bolsonaro é composto pelos grupos mais acentuadamente antipetistas, a um nível quase macartista. Eles jamais votarão em Fernando Haddad (PT) e sua vice Manuela D’Ávila (PCdoB). O que se objetiva é capturar os votos de indecisos e nulos por um lado (18%), e os votos de bolsonaristas (28%), pelo “voto útil” contra o Partido dos Trabalhadores, e não contra o fascismo. O discurso “pela Democracia” é na verdade contra a polarização entre Haddad e Bolsonaro no segundo turno, servindo ainda à alavancagem da candidatura de Ciro Gomes, que ganharia mais potencial para dividir os votos do PT.
Os golpistas tiraram uma presidenta legitimamente eleita do poder; prenderam Luiz Inácio Lula da Silva; lançaram o mais feroz ataque à classe trabalhadora em décadas, com extinção de direitos trabalhistas; entregam irrestritamente o patrimônio nacional ao estrangeiro; destroem os programas sociais, a saúde e a educação públicas; desmontam a máquina estatal. Mas isso é apenas o início do plano de terra arrasada do imperialismo para toda América Latina. Eles só conseguirão aprofundar esses ataques por meio de uma eleição fraudulenta que legitime o governo golpista.
Os golpistas têm controle dos Três Poderes da República – com direito a generais tutelando as autoridades –, dominam a imprensa, as rádios e a televisão. A burguesia domina plenamente o jogo eleitoral, e qualquer movimento com sua franca participação é movido pela luta de classes, e não por valores abstratos como “a Democracia”. Qualquer movimento comandado pela burguesia serve exclusivamente a esses propósitos – assim como a chamada “luta contra a corrupção”. O fascismo – tanto o de Bolsonaro quanto do MBL – é um movimento de ação, e deve ser combatido pela ação concreta de autodefesa dos trabalhadores. O golpe se combate mobilizando e organizando a população, pela mudança real na relação de forças, e não por acordos eleitorais. Não cabe portanto apoiar nesse momento a campanha publicitária “antibolsonarista”: ela é falsa, eleitoreira e direitista. Nenhuma unidade com a direita. Eleição sem Lula é fraude.