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Teoria marxista

Engels defendia o fim da monogamia?

Esquerda pequeno-burguesa falseia obra de Engels para defender o reacionário "amor livre"

É comum ouvir debates na esquerda pequeno-burguesa sobre a “não-monogamia”, o “poliamor”, a “poligamia” e outras variações do que supostamente seria uma libertação para a mulher em uma nova maneira de se relacionar. Acompanhados desse exótico modo de vida, que existe quase que exclusivamente em meios universitários, é comum ver bravatas tais quais: “é preciso destruir a monogamia”, “a monogamia é uma opressão!” e “a cisheteronormatividade oprime as mulheres!”.

Para esclarecer do que se trata e combater melhor esse ponto de vista equivocado, vejamos um dos muitos casos em que ele se expressa: um artigo publicado na Tribuna de Debates do XVII Congresso do PCB-RR de título A destruição da monogamia também é uma tarefa conjunta.

Após introduzir o tema, a autora diz:

“‘A ordem e a normalidade são características da colonização, de modo que a descolonização, quando se efetiva, produz justamente a desordem absoluta’ (Geni Núñez, 2023).

O trecho acima foi retirado da introdução do livro ‘Descolonizando Afetos: Experimentações sobre outras formas de amar”, em que a autora Geni Núñez traz o debate sobre a monogamia e como ela está totalmente relacionada com o processo de colonização, de maneira que estrutura em nossa sociedade o que é considerado ‘normal’ em um relacionamento – relação cisheteronormativa, branca e monogâmica – e o que é considerado desviante – nesse caso, Geni traz as diferentes experiências e entendimentos sobre relacionamentos afetivos (não só amorosos, mas também familiar, por exemplo) nas comunidades originárias.”

Em seguida, ela traça uma correspondência entre esse ponto de vista e o que teria defendido Engels em seu famoso livro A Origem da Família, do Estado e da Propriedade Privada. De acordo com ela, Engels concordaria que a monogamia é uma “estrutura” (termo que ganhou, com os estruturalistas, um significado completamente avesso ao utilizado por Marx) coercitiva, que oprimiria as mulheres – e a autora vai além: os homossexuais e os negros também –, que foi “imposta” pelos europeus. E, ainda, essa imposição colonial seria algo que Engels defenderia combater, afinal, a posição de um dos maiores marxistas da história deve ser igual à de Geni Núñez.

“Assim como a autora, Engels no livro ‘A origem da família, da propriedade privada e do Estado’ nos mostra como a monogamia enquanto estrutura se enraíza e afeta todas as camadas da sociedade, seja ela econômica, política ou social. Por exemplo, o casamento, sendo uma relação monogâmica, não condiz apenas ao casal que se relaciona entre si, mas também é uma relação econômica que corresponde ao Estado, por meio de leis que garantem a efetivação desse casamento, e também às morais e valores cristãos”, ela afirma.

Mas será verdade? Vejamos, pois, o que diz o próprio Friedrich Engels na obra em que a autora cita.

“Ora, dado que o amor sexual é exclusivo por natureza – embora hoje em dia essa exclusividade só se realize plenamente na mulher –, o casamento fundado no amor sexual é, por natureza, monogâmico. Vimos que Bachofen tinha toda a razão ao considerar que a evolução do casamento grupal para o casamento monogâmico é preponderantemente obra das mulheres; somente a passagem do casamento do par para o casamento monogâmico pode ser atribuída aos homens; e, basicamente, ela consistiu, em termos históricos, no rebaixamento da posição das mulheres e na facilitação da infidelidade dos homens. Ora, se ainda forem suprimidas as contradições econômicas, em virtude das quais as mulheres aceitam a costumeira infidelidade dos homens – por preocupação com a sua existência e sobretudo com o futuro dos descendentes –, a igualdade alcançada pela mulher terá, como mostram todas as experiências realizadas até agora, um efeito infinitamente maior no sentido de tornar os homens realmente monogâmicos do que no sentido de tornar as mulheres poliândricas” [grifos nossos] [Engels, A Origem da Família, do Estado e da Propriedade Privada, página 81].

Em que a caracterização de Engels se assemelha ao que afirmou a militante do PCB-RR? Em absolutamente nada. Outra questão: é dito explicitamente que a monogamia é uma evolução histórica das formas precedentes, como o casamento grupal. Uma evolução, um desenvolvimento: o resultado cultural de um processo de desenvolvimento concreto das forças produtivas, ou, ainda, o reflexo de um novo modo de produção que surgia, que representava o progresso histórico.

Isto é, Engels afirma o exato oposto da análise da militante do PCB, que condena o desenvolvimento histórico e cultua o casamento grupal em oposição à monogamia, que teria sido trazida pelos europeus.

Seria lamentável, mas intelectualmente honesto, se ela declarasse discordar de Engels e defender o retorno à poligamia. No entanto, o que ocorreu nessas em seu texto foi uma triste exibição de contorcionismo, no qual a posição do dirigente revolucionário é apresentada como sendo o oposto do que é, fazendo parecer que a autora do artigo sequer leu o livro que citou.

Antes de prosseguirmos, é preciso deixar claro: Engels tem total razão em sua colocação. A História humana não pode ser vista sob um ponto de vista moral, de busca por justiça, muito menos por um ponto de vista relativístico – segundo o qual todas as formas de família seriam iguais, não corresponderiam a determinados estágios objetivos do desenvolvimento da produção, mas a uma afinidade metafísica dos povos por um determinado modelo de família. Não! Se somos socialistas, não o somos para praticar o imperativo categórico kantiano, porque consideraríamos o sistema mais justo entre todos os possíveis e o mais desejável: isto é uma posição que cabe aos socialistas utópicos, não aos marxistas.

Um marxista só é seriamente um marxista se defende o socialismo por este ser o resultado necessário do desenvolvimento da produção capitalista, por ser o sentido para onde apontam as principais tendências das forças produtivas. Em resumo, porque defende o progresso histórico e o aumento do poder do homem sobre a natureza. De tal maneira, trata-se do completo oposto de considerar o casamento grupal tão “desejável” quanto a monogamia e, mais ainda, de defender o retrocesso para formas sociais típicas da barbárie e pré-capitalistas.

O desenvolvimento histórico, como resultado do desenvolvimento da técnica e das forças produtivas, é um fato que ninguém que defenda o socialismo científico pode negar. Junto dele, correspondem determinadas formas de organização social – e a família é uma delas. Na medida em que a monogamia representa a forma social correspondente à civilização (como, corretamente, afirmou o Engels), trata-se de uma forma histórica progressista em relação às demais – tal e qual o capitalismo é um modo de produção progressista em relação ao feudalismo.

Tendo entendido isso, que é o bê-á-bá da obra de Engels, podemos partir a um ponto mais sério: não seria verdade dizer que Engels não critica em nenhum momento a monogamia sob o capitalismo, pelo contrário, ele diz que é um regime de domínio do homem sobre a mulher. Porém, ele não se refere à monogamia em si, e sim sob a forma que adquire sob o capitalismo, porque a mulher está submetida a uma opressão econômica. A solução, evidentemente, não é regredir historicamente às cavernas; mas, ao contrário, libertar a mulher da opressão econômica e, com isso, livrar a monogamia do caráter capitalista que se imiscuiu nela.

Vejamos o que diz o próprio Engels, logo a seguir do fragmento por nós citado:

“Porém, o que decididamente será excluído da monogamia são as características que lhe foram impressas pela gênese a partir das relações de propriedade, que são, em primeiro lugar, a supremacia do homem, e, em segundo lugar, a indissolubilidade. A supremacia do homem no casamento é simples decorrência de sua supremacia econômica e cairá automaticamente com ela. A indissolubilidade do casamento é em parte decorrência da situação econômica na qual surgiu a monogamia e em parte tradição oriunda da época em que a conexão entre essa situação econômica e a monogamia ainda não tinham sido bem compreendidas e foram sublimadas em termos religiosos. Hoje ela já foi rompida milhares de vezes. Se apenas o casamento fundado no amor for moral, então também será apenas nele que persistirá o amor. Contudo, a duração dos arroubos do amor sexual é muito diferenciada de indivíduo para indivíduo, principalmente no caso dos homens, e o desaparecimento do fato da afeição ou sua supressão por força de uma nova paixão faz da separação um benefício tanto para as duas partes, quanto para a sociedade. Só que as pessoas deverão ser poupadas da obrigação de atravessar a sujeira inútil de um processo de divórcio.”

Finalmente, o que Engels defende é que se deve extirpar da monogamia os germes impostos pela opressão capitalista. O que isso tem a ver com a tese de que é preciso criar uma nova forma de família dentro do capitalismo – ou, pior, criá-la de maneira individual? Absolutamente nada. É o oposto, inclusive: é a tentativa de “extirpar” do capitalismo os supostos males da monogamia.

A autora do artigo, que diz reivindicar Engels, diz ao final de seu texto: “o capitalismo não será derrotado enquanto subsistir a opressão monogâmica ou qualquer sistema de opressão contra algum grupo [sic]”. Somos obrigados a questionar: em qual ponto essa conclusão mirabolante não é o exato oposto do que defendiam os fundadores do socialismo científico?

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