O futebol brasileiro é um reduto incontestável do povo negro. Os maiores craques nacionais, os gênios da bola brasileiros, desde Leonidas da Silva, Pelé, Didi, até Romário, Ronaldinho Gaúcho e Neymar foram e são negros. Os negros foram responsáveis por criar aquilo que há de melhor no futebol nacional, a bicicleta, o drible, a ginga, a pedalada, o toque de bola, enfim todas as qualidades que tornaram o nosso futebol o melhor do mundo. Apesar da prevalência incontestável dos negros dentro das quatro linhas, o mesmo não ocorreu fora de campo.
Ao longo da história o número de treinadores negros sempre foi muito pequeno e, nos poucos casos em que isso ocorreu, o tempo de permanência de um negro como treinador principal de um clube sempre foi muito pequeno em todas as equipes.
Uma matéria divulgada pelo portal nexojornal faz essa análise do preconceito que há em relação aos treinadores negros. O texto estabelece uma pesquisa da trajetória do jogador Antenor Lucas, o Brandãozinho, ídolo da Portuguesa na década de 1950. Brandãozinho teve de encerrar a carreira de maneira prematura em 1957 devido a uma grave contusão no joelho. Após se afastar dos gramados, o ex-meio campista da Lusa retornou ao clube como treinador. Brandãozinho, que tinha o objetivo de ser técnico da equipe principal, acabou sendo aproveitado somente nas categorias de base do clube.
Em 1966, o ex-jogador teve uma chance de dirigir a equipe principal no torneio Rio-São Paulo daquele ano. Logo após ao primeiro jogo e a primeira derrota por 2 a 1 para o Bangú, Brandãozinho foi removido do cargo e substituído por Wilson Francisco Alves.
Outro exemplo citado é de Agenor Gomes, o Manga, ex-goleiro dos Santos nas décadas de 1950 e 1960, Manga se tornou técnico da Portuguesa Santista no início dos anos de 1960. Manga conseguiu em 1965 levar o clube a primeira divisão do campeonato paulista. No ano seguinte, o ex-goleiro agora treinador conseguiu o mesmo feito com a Ferroviária de Araraquara. Entretanto, apesar das conquistas, dos elogios dos jogadores, Manga nunca conseguiu um espaço nas principais equipes do país, permanecendo sempre como treinador dos clubes menores e interioranos.
Ambos casos demonstram que no futebol brasileiro, o lugar do negro é somente dentro das quatro linhas, como dirigente de uma equipe, o negro sofre as pressões, os preconceitos da ideia de que, por ser negro, não teria a capacidade de administrar, gerenciar e dirigir uma equipe de futebol. Como aponta o texto, “o treinador negro se vê invariavelmente rotulado de humilde, ou, de modo inverso, mas simétrico, de autoritário. De um modo ou de outro, ele sempre se mostra aquém ou além do ponto de equilíbrio no exercício do poder.”
No caso de Manga, o seu “problema” era ser considerado humilde demais. Dessa forma, seria “incapaz” de estar a frente de uma grande equipe, sendo relegado as equipes menores.
Recentemente tivemos um caso parecido com os dois citados acima, o do ex-meio campista do Flamengo na década de 1970, Jorge Luís Andrade da Silva, o Andrade. Um excelente jogador no meio campo, Andrade assumiu o comando do Flamengo em 2009, após vários anos como auxiliar técnico. Andrade conseguiu levar a equipe á conquista do campeonato brasileiro daquele ano depois de 17 anos na fila.
Mesmo campeão nacional, Andrade foi dispensado pela diretoria do clube carioca no ano seguinte. Desde então, o treinador não conseguiu espaço em nenhum clube de expressão no futebol nacional. Passou a comandar times menores. Em 2016, Andrade ficou sem emprego. Em 2017, Andrade assumiu o comando do Petrolina, clube que disputa a segunda divisão do campeonato pernambucano. No final do ano passado, desanimado, Andrade resolveu se afastar do futebol devido as dificuldades e abriu uma empresa no Rio de Janeiro onde vende frutas. “Resolvi montar meu próprio negócio, não tenho patrão e não tem ninguém para dizer o que devo fazer. É uma coisa de momento, nada impede de voltar ao futebol”. Declarou o ex-jogador em uma entrevista recente.
Os exemplos apontam, portanto, o racismo e a discriminação que existe no futebol em relação aos negros, mesmo estes tendo realizado os maiores feitos na história do principal esporte do país. A discriminação e a exclusão dos negros das direções das equipes é um reflexo da opressão que esse setor sofre ainda na sociedade brasileira, sendo relegado aos piores trabalhos e salários, além de ser constantemente massacrado nas periferias das grandes cidades do país pela polícia.